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 15/04/2025   14:11   

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TJMT discute autismo e judicialização da saúde em palestra que aproxima Justiça da sociedade

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição complexa, multifacetada e muitas vezes invisível aos olhos, mas cada vez mais presente nos tribunais. Essa constatação foi o ponto de partida para a palestra “Autismo: Compreensão e a Busca por Direitos no Poder Judiciário”, ministrada pelo juiz auxiliar da Vice-Presidência do TJMT, Antonio Veloso Peleja Junior, durante o TJMT Inclusivo: Capacitação e Conscientização em Autismo.

Com vasta formação acadêmica e experiência em temas ligados à saúde e Direito, o magistrado fez uma abordagem esclarecedora sobre os principais desafios jurídicos enfrentados por pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e suas famílias. A palestra percorreu desde a origem do conceito clínico de autismo até a forma como o tema tem sido tratado pelas instâncias superiores do Judiciário brasileiro.

O juiz começou explicando o fenômeno da judicialização da saúde, que ocorre quando o cidadão busca no Poder Judiciário o acesso a tratamentos, terapias ou medicamentos que não estão sendo devidamente fornecidos pelo Estado ou por planos de saúde. No caso do TEA, essa judicialização se tornou frequente, devido à alta complexidade dos tratamentos, ao custo elevado e à falta de uniformidade na oferta de terapias especializadas, como a ABA (Análise do Comportamento Aplicada).

“São temas que estão em bastante discussão nos tribunais superiores, como o Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e tribunais federais. Muitas vezes, os casos chegam sem amadurecimento, sem debate. E os juízes de primeiro grau ficam sem parâmetros. Por isso, precisamos observar os precedentes e os posicionamentos das cortes superiores”, afirmou Peleja.

Ele detalhou a importância de decisões fundamentadas em evidências científicas e respaldo técnico, citando como marcos legais a Lei n° 12.764 de 2012 (Lei Berenice Piana), que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com TEA, e a Lei n° 14.454 de 2022, que disciplina a cobertura de tratamentos fora do rol da Agência Nacional de Saúde (ANS).

O magistrado também expôs que, de acordo com o CDC, dos Estados Unidos, 1 a cada 36 crianças de 8 anos é diagnosticada com TEA, representando 2,8% da população infantil no país norte-americano. Se aplicados ao Brasil, os números podem indicar mais de 6 milhões de pessoas autistas no país.

Foi abordado ainda como o atual sistema jurídico brasileiro, estruturado em torno da teoria dos precedentes vinculantes, exige que os juízes observem as decisões consolidadas dos tribunais superiores, especialmente em temas técnicos como o acesso a tratamentos de saúde.

“Hoje, não é mais possível julgar de forma isolada. O sistema de precedentes exige coerência e responsabilidade. A minha fala busca justamente abrir esse diálogo com os operadores do Direito e com a população. Estamos aqui para esclarecer, para mostrar que o Judiciário está atento e quer fazer parte da solução”, completou.

Foi elencada uma série de direitos garantidos às pessoas com TEA, que podem ser desconhecidos por parte da população. Entre as garantias que têm sido reconhecidas por decisões das instâncias superiores, ele enalteceu o atendimento pelo SUS com profissionais como psicólogos, terapeutas ocupacionais, psiquiatras, neurologistas, psicopedagogos e fonoaudiólogos ou por clínicas especializadas com equipes multiprofissionais, a oferta de Atendimento Educacional Especializado (AEE) nas escolas, por meio de salas de recursos multifuncionais e suporte individualizado.

O magistrado apontou a possibilidade de acesso à equoterapia como abordagem terapêutica complementar, a redução da carga horária de trabalho para pais e responsáveis legais, quando comprovada a necessidade de cuidados intensivos.

Questões como a necessidade de capacitação de magistrados e servidores, o impacto orçamentário das decisões judiciais, o consequencialismo e a importância da abordagem interdisciplinar, que envolva profissionais da saúde, educação, assistência social e direito, ainda foram abordadas.

“Quando o Poder Judiciário compreende o autismo, ele deixa de ser apenas um julgador e passa a ser um verdadeiro garantidor de direitos. Precisamos estar preparados para decidir com base na ciência, na empatia e na legalidade”.

Judiciário humanizado - A escuta sensível, a troca de experiências e o acesso à informação foram os pilares mais valorizados pelo público, que se sentiu acolhido e representado pelo Poder Judiciário ao ver magistrados(as), servidores(as) e especialistas saindo dos gabinetes para dialogar diretamente com a sociedade sobre inclusão.

A percepção do público sobre o “TJMT Inclusivo: Capacitação e Conscientização em Autismo” também se destacou pelos esclarecimentos e debates envolvendo os direitos da pessoa com deficiência e o papel do Poder Judiciário na promoção da inclusão. O evento foi visto como um marco, especialmente por trazer temas jurídicos de forma acessível e por envolver diretamente magistrados, operadores do Direito e especialistas em ETA em um espaço de escuta e troca com a sociedade.

O servidor Vinícius Reis, diagnosticado tardiamente com autismo, ressaltou o impacto do evento na compreensão dos próprios direitos e na busca por acessos ainda pouco conhecidos. “Esse tipo de debate é essencial, porque mesmo depois de conseguir o laudo, a gente ainda tem dificuldade de saber o que pode ou não pode. Aqui, o Judiciário sai do gabinete e senta com a gente para explicar, ouvir e entender”.

Já para Nisiane Sergel, mãe adotiva atípica, o evento trouxe uma perspectiva singular e potente. Ao compartilhar sua trajetória com o filho, hoje com 15 anos, mas adotado ainda bebê e diagnosticado com autismo tardiamente, Nisiane ressaltou as barreiras enfrentadas por famílias que lutam por diagnósticos, apoio e inclusão efetiva. Além de relatar os desafios, ela reforçou que a informação é um caminho para a transformação e o acesso aos direitos.

“A partir do momento em que tem um profissional trazendo as informações, a gente corre buscar os nossos direitos. Porque a gente não quer um rótulo, a gente quer qualidade de vida, quer inclusão de verdade”.

Desembargadora Nilza Pôssas de Carvalho durante o TJMT Inclusivo em Sorriso. Ela fala aos presentes atrás de um púlpito de madeiraTJMT Inclusivo - O evento foi promovido pela Comissão de Acessibilidade e Inclusão do TJMT, presidida pela desembargadora Nilza Maria Pôssas de Carvalho, que também é vice-presidente do TJMT, e realizado em parceria com a Escola da Magistratura de Mato Grosso (Esmagis-MT), Escola dos Servidores do Poder Judiciário e prefeituras.

“É isso que nós precisamos. Proximidade da administração com a sociedade, ouvir os magistrados, os servidores e, principalmente, as pessoas. No Brasil, temos cerca de 6 milhões de autistas. Essa é uma preocupação mundial. Essa capacitação vai preparar nossos juízes para lidarem melhor com os casos e com as decisões baseadas em jurisprudência”, destacou a magistrada ao evidenciar a importância da presença da administração do Judiciário no interior e da escuta ativa às demandas sociais.

Já o diretor-geral da Escola Superior da Magistratura (Esmagis-MT), desembargador Márcio Vidal, ressaltou o papel formativo das escolas do Judiciário e a relevância do tema. “É preciso que esse tema seja debatido constantemente. Estamos aqui para levar conhecimento à sociedade, mas também aos nossos magistrados e servidores, que lidam diretamente com o tema, seja no atendimento, seja nos processos judiciais. A judicialização da saúde é uma realidade nos tribunais e dentro dela está a questão do TEA. Se o cidadão não sabe que tem direito, ele não reivindica. Nosso papel é esclarecer e dar base para decisões mais humanas e fundamentadas”.

A iniciativa, que impactou diretamente milhares de pessoas nos municípios de Sinop, Sorriso e Cuiabá, teve o propósito de informar, sensibilizar e preparar o sistema de Justiça para um olhar mais empático, técnico e comprometido com os direitos das pessoas neurodivergentes, especialmente no mês quando é celebrado o Dia Mundial de Conscientização do Autismo, no dia 02 de abril.

As íntegras dos eventos podem ser conferidas a seguir nos links disponíveis no canal de eventos do Tribunal de Justiça de Mato Grosso no YouTube: Sinop: https://www.youtube.com/watch?v=25OzkYkUZU4&t=9714s, Sorriso: https://www.youtube.com/watch?v=ZPIk59-cdvM&t=3s  e Cuiabá: https://www.youtube.com/watch?v=DIwsD7wg0CE.

Talita Ormond / Foto: Alair Ribeiro

Coordenadoria de Comunicação do TJMT

imprensa@tjmt.jus.br

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