Neurologista fala sobre “Transtornos do desenvolvimento na sala de aula” durante TJMT Inclusivo
Com o objetivo de conscientizar e capacitar profissionais da Educação, especialistas e pessoas interessadas no Transtorno do Espectro Autista (TEA), o evento "TJMT Inclusivo – Capacitação e Conscientização em Autismo" reuniu um público diversificado, de cerca de duas mil pessoas, em Cuiabá, nesta sexta-feira (04 de abril). O evento, promovido pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), por meio da Comissão de Acessibilidade e Inclusão, contou com uma programação extensa de palestras ministradas por especialistas na área do autismo e inclusão.
Entre os palestrantes, o neurologista da Infância e Adolescência Thiago Barbosa Gusmão abordou o tema "Transtornos do neurodesenvolvimento na sala de aula", o primeiro de uma série de treinamentos já planejados para serem realizados ao longo do ano. A aula teve duração de duas horas e abordou temas como os níveis de suporte e tratamentos possíveis do TEA; TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade); TOD (Transtorno Opositor Desafiador) e TC (Transtorno de Conduta). Ele falou também sobre déficit intelectual e superdotação. Ensinou sobre estratégias educacionais e elaboração de relatórios do ponto de vista pedagógico, comportamental e social.
Transtornos do neurodesenvolvimento na sala de aula
O médico demonstrou certa preocupação com o número alarmante de brasileiros com TEA que pode estar sendo diagnosticado tardiamente, recebendo tratamentos inadequados ou ainda, não sendo diagnosticados. A proporção estimada de 5,95 milhões de pessoas com TEA no Brasil levanta a urgência de aprimorar o processo de identificação, especialmente em adolescentes e adultos, uma vez que o diagnóstico precoce é crucial para o desenvolvimento e qualidade de vida.
O TEA é um transtorno do neurodesenvolvimento e não tem cura “porque não é uma doença”. Manifesta-se por dificuldades na interação e comunicação social, além de padrões de comportamento restritivos e repetitivos. O médico professor ressaltou que, se a pessoa não apresentar essas dificuldades e comportamentos, o diagnóstico não é de Transtorno do Espectro Autista.
Embora o cérebro humano mantenha a capacidade de aprendizado ao longo da vida, a intervenção precoce maximiza o potencial de desenvolvimento da pessoa com autismo. No Brasil, o diagnóstico frequentemente ocorre na adolescência ou vida adulta, privando muitos indivíduos de intervenções oportunas.
Níveis de Suporte do TEA e o novo CID-11
Conforme Gusmão, atualmente, o diagnóstico do TEA é clínico e comportamental, baseado na observação dos sintomas. A nova Classificação Internacional de Doenças (CID-11), em vigor no Brasil desde janeiro de 2022, busca classificar a funcionalidade da pessoa com o transtorno em relação às habilidades de comunicação e social, flexibilidade e adaptabilidade, considerando o nível de suporte necessário em diversas áreas da vida. Os níveis de suporte variam de Nível 1 (necessidade de pouco suporte) a Nível 3 (muita necessidade de suporte substancial). Contudo, especialistas reconhecem que essa classificação ainda é subjetiva e passível de aprimoramento.
Manejo dos comportamentos
A falta de preparo da clínica brasileira para atender adolescentes com TEA é outro ponto de preocupação. A necessidade de estudos específicos para essa faixa etária é evidente, pois as abordagens terapêuticas eficazes para crianças podem não ser as mais adequadas para adolescentes e adultos. “A Educação e a Saúde devem ser áreas de estudo contínuo para garantir o melhor suporte em cada fase da vida”, frisou.
Embora não exista medicação específica para o TEA, medicamentos podem auxiliar no manejo de sintomas associados, como a hiperatividade, desatenção, ansiedade e compulsão. Terapias baseadas em evidências, como a Análise do Comportamento Aplicada (ABA), fonoaudiologia, tratamento parental e prática de esportes, são fundamentais para promover a autorregulação e o desenvolvimento. No ambiente escolar, o Plano Educacional Individualizado (PEI) é uma ferramenta essencial para atender às necessidades específicas de cada aluno com TEA.
O manejo de comportamentos desafiadores é um aspecto crucial. O neurologista ensinou algumas estratégias comportamentais baseadas no “reforço positivo e na identificação dos interesses da pessoa com TEA, que são mais eficazes do que punições severas”. A comunicação visual pode ser uma ferramenta importante, especialmente para aqueles que têm dificuldades com a linguagem verbal.
TDAH
A comorbidade com outros transtornos, como o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), é comum em pessoas com TEA, podendo agravar os sintomas. Cerca de 70% das pessoas com TEA têm também TDAH, que é diagnosticado a partir dos seis anos de idade e envolve a observação em comportamentos de desatenção, hiperatividade e impulsividade. O tratamento pode incluir adaptações no ambiente escolar, terapias comportamentais e, em alguns casos, medicação.
Outros quadros como o Transtorno Opositor Desafiador (TOD) e o Transtorno de Conduta (TC) também podem se manifestar, caracterizados por padrões persistentes de comportamento desafiador e agressivo. Os transtornos têm tratamento com o uso de medicamentos e terapia comportamental.
Deficiência Intelectual - “É importante diferenciar o TEA de outras condições, como a Deficiência Intelectual, que também pode apresentar desafios no aprendizado e comportamento. A avaliação do QI (quociente de inteligência) é uma ferramenta para identificar a Deficiência Intelectual, e Programas de Educação Individualizada (PEI), nas escolas, são essenciais nesses casos”, disse o professor.
A superdotação é outro aspecto a ser considerado, podendo coexistir com o TEA e o TDAH, nesse caso chamada de dupla excepcionalidade. Embora não seja um transtorno, crianças superdotadas também necessitam de adaptações educacionais para desenvolver seu potencial, respeitando sua maturidade emocional. Thiago Gusmão não recomenda a aceleração de série porque a criança ou adolescente não tem maturidade para lidar com alunos mais velhos das classes mais avançadas. A teoria das inteligências múltiplas de Howard Gardner reforça a ideia de que a inteligência se manifesta de diversas formas, não se limitando ao QI.
Relatório Escolar
O relatório escolar elaborado pelo professor desempenha um papel crucial no processo de identificação do TEA, relatando as suspeitas e dificuldades observadas em sala de aula, bem como as estratégias já implementadas e seus resultados. “O relatório é a suspeita do professor. É ali que ele vai dizer o que vê na sala de aula durante as 20h semanais que passa com a criança. É fundamental que o relatório descreva comportamentos específicos na comunicação, interação social, comportamentos repetitivos e restritos, regulação emocional e comportamental, e habilidades cognitivas e acadêmicas, sem emitir um diagnóstico. Esse documento subsidiará a avaliação multidisciplinar realizada por pediatras, neuropediatras, psiquiatras infantis, psicólogos e fonoaudiólogos”, explicou o médico
Tempo é cérebro
A colaboração entre professores, pais, terapeutas e médicos é essencial para um acompanhamento eficaz da pessoa com TEA. Quanto mais precoce o diagnóstico e o encaminhamento para terapias adequadas, maior a chance de promover a funcionalidade, independência e qualidade de vida, garantindo a dignidade dessas pessoas. A máxima "tempo é cérebro" ressalta a importância da intervenção imediata para otimizar o desenvolvimento neurológico.
Políticas Públicas
Para o médico, o Brasil ainda engatinha na formação de políticas públicas de inclusão e não só para o autismo, mas que “é um problema de saúde pública”, porque as pessoas devem receber apoio com terapias para que possam ser independentes. “Por isso, é importante que os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário tomem para si essa discussão para encontrar soluções práticas e rápidas, porque o país está muito atrasado em relação a outros países”, explica Thiago.
Thiago Gusmão afirma que a iniciativa do Poder Judiciário de Mato Grosso, e a parceria com as prefeituras, é um divisor de águas para discutir o TEA, que tem uma prevalência alta na população brasileira, mas há falta de dados para que políticas públicas sejam implementadas. “Falta o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas) fazer um senso específico. No mundo, a cada 36 crianças que nascem, uma é autista e para cada 45 adultos, um é autista.”
“Se não abordamos o assunto agora para capacitar professores, para ter mais postos médicos, neurologistas pediatras entendendo autismo, o custo de vida dessas famílias e do Estado será maior. (...) teremos um problema que existe em outros países, teremos adultos não funcionais. A criança que não foi bem tratada vira um adolescente que não desenvolve as potencialidades e será um adulto com muito mais dificuldades. Começamos engatinhando, mas alguém tem que girar essa catraca para darmos pulos de evolução mais à frente. Por isso, é importante conscientizarmos, falarmos, mostrarmos e mudarmos a realidade por meio de políticas públicas”, diz o médico.
O TJMT Inclusivo foi promovido pelo TJMT, por meio da Comissão de Acessibilidade e Inclusão do TJMT, presidida pela desembargadora Nilza Maria Pôssas de Carvalho, em parceria com a Escola da Magistratura de Mato Grosso (Esmagis-MT), Escola dos Servidores do Poder Judiciário e prefeitura de Cuiabá.
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Marcia Marafon / Foto: Josi Dias
Coordenadoria de Comunicação do TJMT
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