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Poder Judiciário de Mato Grosso
Notícias
29.03.2021 15:37
Vítima de violência doméstica que teve as mãos decepadas elogia atuação da Justiça![](https://www.tjmt.jus.br/intranet.arq/downloads/Imprensa/NoticiaImprensa/image/29%20-%20geizeana_%20v%C3%ADtima.jpg)
Uma relação que, no começo, ia “às mil maravilhas”, mas que, com o passar do tempo e acirrado pelo consumo de bebidas alcoólicas, tornou-se mais um caso de violência contra a mulher registrado em Mato Grosso, com um final inesperado até mesmo para a ex-diarista. Apesar de ter passado por todas as etapas do ciclo da violência em ocasiões anteriores, como o aumento da tensão, o ato de violência em si, seguido pelo arrependimento e comportamento carinhoso, Geziane jamais achou que um dia seu então companheiro, o operador de máquinas Jair da Costa, tentaria assassiná-la com tamanha frieza e agressividade.
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Morando sozinha em uma casa simples, a ex-diarista, mesmo com as limitações impostas pela falta das mãos, consegue fazer o serviço de casa. Lava as próprias roupas na máquina e descobriu um jeito para limpar a casa. “Vou torcendo o pano na centrífuga e vou limpando. Jogo água, ‘raspo’ com o pano e vou centrifugando. É difícil, mas eu consigo passar rodo, vassoura. Tive que me adaptar. Mas pra fazer comida eu me queimo direto (sic), só que eu consigo. Moro sozinha, minha filha que vem me ajudar. E recebo ajuda de amigos, de vizinhos, e assim vai indo.”
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Geziane conta que logo após terem reatado pela última vez, foram ao mercado e que o ex comprou o facão, de cerca de 80 centímetros. Ela só não imaginava quais eram as reais intenções dele. “Ele passou a semana amolando o facão. Eu só perguntava o motivo e ele falava ‘um dia você vai saber’. Certo domingo a gente estava em casa, ele ‘tava’ bebendo e eu também. Ele amolou o dia inteirinho esse facão, mas não passava pela minha mente que ele ia fazer isso.”
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“Não justificava ele fazer o que ele fez comigo. Hoje é triste pra mim (sic). Tem coisas que eu quero fazer e não dou conta. Eu me olho no espelho, não vejo aquela mulher que eu era. Eu me olho no espelho e fico pensando comigo, meu Deus, eu tinha tudo e hoje estou assim, dependente dos outros.”
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Ao todo, ela conta ter ficado dois meses em Cuiabá para se recuperar das agressão sofrida.
Justiça – Jair da Costa foi preso em flagrante pelo crime. “A Polícia chegou na hora, pegou e já levou ele pra cadeia (sic). Desde aquele dia ele está preso. Só fui vê-lo no dia do júri. Fiquei com medo, mas aguentei firme. Ele agiu com frieza, parecia que nada tinha acontecido.”
Para Geziane, a Justiça teve uma atuação rápida. “Ficaram do meu lado, me apoiaram. Se precisasse de alguma ajuda, era para procurar eles também (sic). A Defesa da Mulher me procurou. Me senti bem. Fiz até medida protetiva, porque ele estava me ameaçando lá dentro da cadeia. Disse que pode passar 40 anos lá e quando sair vai me matar. Hoje ele tá preso (sic), tem que ficar lá, não pode sair. Hoje ele tem as mãos dele, eu não tenho. Por causa dele hoje eu não faço nada. Quero trabalhar e não consigo.”
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Vivendo com um salário referente a um benefício concedido pelo governo, Geziane destaca que a quantia não é suficiente para se manter e para ajudar na criação da filha, que mora com os pais, a quem destina R$ 300. “O que dá pra eu fazer eu faço. Se der pra fazer compra eu faço, se não, não faço (sic). Peço ajuda direto, cesta básica. Porque meu salário não está dando e, sem as mãos, fica difícil. Antes, fazia minhas diárias, nada faltava. Hoje é tudo diferente”, lamenta.
Apesar das dificuldades, ela agradece a Deus por estar viva. “Só não está mil por cento porque tem três meses que perdi meu filho. Mas tenho que agradecer por estar viva. Tenho uma filha que mora com meus pais. Queria tanto criar minha filha, mas não posso. Ela que tem que me arrumar. Não é fácil. Minha mãe fala ‘vem morar com nóis’ (sic). Mas eu não quero. Quero ter meu canto, me adaptar, porque eu não vou ter minha mãe para o resto da vida. Eu vou ter que me adaptar, fazer minhas coisas.”
Às vítimas de violência doméstica, a ex-diarista é enfática. “Um conselho? Largar, denunciar, não se calar. Tem muitas mulheres que não sobrevivem. Eu gostava dele, achava que ele ia mudar. Mas a mulher tem que se amar primeiro. No primeiro tapa, tem que largar, não esperar acontecer coisa pior, igual aconteceu comigo”, ressalta.
Julgamento – A sessão de julgamento de Jair da Costa foi realizada em 12 de julho de 2019, das 8h40 às 22h35. Após quase 14 horas, o Conselho de Sentença entendeu, por maioria, que ele era culpado pela tentativa de homicídio qualificado. A pena foi fixada em 15 anos e seis meses de reclusão. O júri foi presidido pelo juiz Pedro Davi Benetti, titular da 1ª Vara de Campo Novo do Parecis.
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Segundo ele, a punição de Jair da Costa teve caráter pedagógico. “Esse caso teve uma repercussão estadual e nacional, houve divulgação desse fato em vários sites do país, e acredito sim que a resposta do Estado ajuda a punir.”
O juiz Pedro Benetti explica ainda que o Município de Campo Novo do Parecis conta com uma rede de proteção às mulheres vítimas de violência doméstica, que pode fornecer apoio a quem necessita. “Há o Conselho Municipal dos Direitos da Mulher, a Casa da Mulher, o Poder Judiciário, a Polícia, que recebem os pedidos de medida de proteção, de auxílio, e esse atendimento é fornecido quando solicitado. Ao Poder Judiciário cabe a função de dar os devidos encaminhamentos e orientações para que as vítimas tenham acesso à rede de proteção existente no nosso município e no poder público em geral, assegurando os direitos dela enquanto vítima. Direitos assegurados pela Lei Maria da Penha”, complementa.
Escalada da violência – Um dado alarmante em Campo Novo, conta o magistrado, é o elevado número de medidas protetivas concedidas semanalmente: são cerca de três, número bastante relevante levando em consideração o tamanho do município. “Já estou há três anos na comarca e observo que esse caso dela não é o único. Temos ainda outro processo em tramitação que envolve feminicídio. Comarca pequena e em três anos temos dois casos, número expressivo”, lamenta.
O juiz enfatiza ainda que os crimes que envolvem violência doméstica normalmente possuem uma característica de escala da violência. “É o que se chama de ciclo da violência, porque a violência doméstica pode ser de ordem psicológica, física, patrimonial... Ela começa uma pequena violência de ordem psicológica, um tratamento grosseiro, um xingamento. E isso vai evoluindo até chegar num ponto mais grave. Já vira uma ameaça, uma lesão corporal e pode chegar sim a uma tentativa de homicídio, a um homicídio.”
Para o magistrado, é necessário que esse ciclo seja rompido, ou seja, que essa ‘escalada criminosa’ seja quebrada, porque as consequências podem ser muito drásticas, como no caso de Geziane. “As mulheres têm que perceber os sinais dessa violência e tomar providências para que o ciclo seja rompido”, observa.
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Segundo Sonnea, ela também estava muito fragilizada emocionalmente, sentindo dor e com quadro depressivo. Por isso, recebeu encaminhamento para um médico psiquiatra, além dos medicamentos. “Quando precisava de mais, era só vir buscar, até que ela conseguisse sair daquele processo de depressão tão forte em que estava. Ela achava que não tinha necessidade de estar viva. Só ela sabia o que estava sentindo. Mas toda essa mudança tinha que partir dela. A família teve todo o auxílio que a comunidade pôde proporcionar e a questão da saúde pública daqui também. Depois que passou essa fase inicial que ela conseguiu se reerguer”, observa.
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Lígia Saito / Fotos: Wagner Zanan e TV.JUS
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